O Caso das “Pílulas de Farinha”

A multinacional farmacêutica Schering do Brasil começou a produzir, no país, na década de 1980, o anticoncepcional Microvlar, o qual, em razão de seu preço – pouco mais de três reais -, se difundiu rapidamente entre as mulheres integrantes de classes sociais menos favorecidas.
Em 1998, foram comercializados lotes de comprimidos Microvlar sem o princípio ativo, ou seja, meros placebos. As pílulas de farinha, como ficaram conhecidas na ápoca, fizeram com que inúmeras mulheres engravidassem na época, mesmo tomando regularmente o anticoncepcional.
Fundada em 1871, em Berlim, a A Schering AG posicionou-se, no ano de 2002, entre os 25 maiores laboratórios farmacêuticos do mundo, com vendas mundiais que superavam cinco bilhões de euro. O anticoncepcional Microvlar era, à época, a terceira droga mais vendida no Brasil (14 milhões de unidades), perdendo apenas para o Cataflan e a Novalgina.
Em 20 de maio de 1998, a Schering recebeu uma carta anônima e uma cartela de Microvlar, com a advertência de que a composição da pílula estava adulterada. A carta informava que a droga havia sido comprada numa farmácia em Mauá, na periferia de São Paulo. Sete dias depois, a Schering sabia que as pílulas continham farinha e não o princípio ativo. A farinha servia para dar forma à drágea.
Novas queixas foram surgindo, sem que nenhuma manifestação fosse feita pela Empresa Farmacêutica. Em casos como esse, o CDC, em seu art. 10, § 1§, estabelece que assim que a empresa tomar conhecimento da periculosidade que apresenta o produto, deverá notificar imediatamente as autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários.
No dia 19 de junho, quando o caso das pílulas de farinha chegou ao conhecimento da mídia, a empresa farmacêutica notificou as autoridades competentes e registrou uma ocorrência junto à polícia comunicando que havia sido furtado um lote de embalagens do anticoncepcional Microvlar. Isso após quase um mês da denúncia anônima.
Segundo a versão dada pela Empresa, entre 12 de janeiro e 21 de abril, a Schering testou uma nova embalagem, usando pílulas de teste, feitas de farinha, sem o princípio ativo, que mais tarde foram remetidas para outra empresa, para incineração. A empresa supôs, então, que as cartelas foram furtadas ao longo do transporte e revendidas a algumas farmácias. O laboratório, todavia, não produziu prova demonstrando o possível do furto, assim como não soube precisar quando aconteceu, ou quantas cartelas sumiram.
Em nenhum momento a Empresa prestou qualquer assistência às mulheres que adquiriram as cartelas com placebos e acabaram engravidando.
O caso, obviamente, acabou indo parar na Justiça. Uma das mulheres que engravidaram mesmo tomando o anticoncepcional conseguiu obter indenização por danos materiais e estéticos, além de uma pensão mensal para o filho recém-nascido até completar 21 anos de idade. Sentenças como essa se espalharam pelas Cortes brasileiras.
Acredito que justo seria que todas as vítimas da negligência descarada da empresa obtivessem os mesmos benefícios da mulher citada no final do texto; a mim sequer parece o justo, mas antes, o mínimo, uma vez que uma criança não planejada é uma mudança muito drástica e longa na vida de uma pessoa. A empresa, ao ser informada pela carta anônima, certamente temerosa do teor verídico do fato, e de sua possível repercussão, passou por cima da vida de inúmeras mulheres, sem qualquer consideração com a pessoa humana, com o fim ambicioso e depravado de sustentar o seu nome e pode econômico. Não conseguindo abafar o caso, tomou então, tardiamente, as providências, buscando novamente “pagar de boa moça”, para evitar um estrago maior, não ao consumidor, mas à sua reputação.